quarta-feira, 21 de março de 2012

As Ciências do Impreciso Abraham A. Moles editora: Civilização Brasileira ano: 1995


As Ciências do Impreciso

Abraham A. Moles

editora: Civilização Brasileira

ano: 1995

Filosofia Livro usado em bom estado de conservação, capa brochura, coda10-x4, escasso, não perca, saiba mais... com 371p.


O cientista francês Abraham Moles nunca viu um OVNI, não pratica yoga nem é
afeito ao esoterismo ou aos excessos da Nova Era. Contudo, escreveu um livro - As Ciências do Impreciso (1995) cujo paradigma científico constitui um precioso objeto de reflexão sobre a superstição no contexto hodierno.

Depois de admitir que “vivemos em meio a fenômenos vagos” e que “viver é
se confrontar com coisas vagas”, Moles faz uma assertiva no mínimo polêmica face ao cientificismo:

“Entre ignorância e precisão científica, o que se convencionou chamar de ciência situa-se numa faixa notável de fatos mal determinados, onde o esforço por meio de qualquer procedimento para reduzir a indeterminação fala mais sobre a abertura das hipóteses e das condições que estabelecem um campo de possibilidades do que sobre o tratamento correto de resultados de amostragens obtidas por processos convencionais”.


Com base nas teses molesianas, pode-se configurar a “ciência do impreciso”
com a síntese seguinte:

• a ciência do impreciso (leia-se por extensão - a superstição) é um fenômeno,
considerado este como uma realidade consciente com contornos constantes e
da qual busca-se conhecer a identidade;

• na epistemologia da superstição, ou da ciência do impreciso, “a noção de uma realidade independente do observador (e/ou do supersticioso) surgiu como desprovida de sentido” (d’Espagnat);

• a análise fenomenológica da ciência do impreciso (da superstição contemporânea) releva a adoção de uma epistemologia (regras para se chegar à verdade), uma metrologia (ciências e técnicas da medição do impreciso) e uma metodologia (conhecimento dos procedimentos que permitem ao homem agir sobre as coisas vagas);

• ainda que a ciência do impreciso (superstição) seja um fenômeno vago por excelência, ou seja, aquele “cujos conceitos de enunciação são, eles próprios, vagos, talvez inadequados, insere-se ela no âmbito do científico com uma “vertigem de precisão”, na qual surge o perigo de se confundir a medida e a coisa em que se acreditar, numa atitude de “basta explicar para compreender”, o que, diante do imponderável, leva o cientista impreciso e/ou supersticioso a uma “miragem da precisão”;

• a ciência do impreciso (superstição) resulta de “células de observação” e/ou da experiência caracterizada após uma interferência fenomenológica que em tudo implica a idéia de conivência, de aceitação;


• a ciência do impreciso é, pois, uma ciência em vias de se fazer, situando-se em contraste com a muralha de livros da ciência acabada, sendo, então, mais um campo de possibilidades a cada instante, por toda uma série de muros separando o possível e do impossível, o concebível (verdadeiro) do inconcebível (falso);

• a ciência do impreciso (superstição) mantém-se como uma impossibilidade experimentada, o que vai justificar o jogo gratuito com as coisas da natureza, a mistificação, a boa ou má fé (seguida, geralmente, do oportunismo) e de uma “estupidez metódica”;

• por basear-se em fenômenos vagos, a ciência do impreciso (superstição) escora-se geralmente em suportes científicos (por conveniência interdisciplinar e mesmo por absoluta necessidade) e em suportes a ela similares (ex.:  parapsicologia ou as “sofias” religiosas). Isto a torna “infralógica”, ou seja, aliada a ligações seqüenciais de uma “paisagem mental” freqüentemente
situada dentro dos “corredores obscuros do espírito”;

• por ser a ciência do impreciso (superstição) fluida em seu funcionamento, ambígua em seus conceitos e vaga em suas definições, ela expõe o cientista “impreciso” (ou o supersticioso) a um esforço menos em função de precisá-la do que de manipulá-la conforme sua conveniência;

• por não ter reconhecimento da comunidade científica acadêmica, que sempre opta pelo cientificismo, a ciência do impreciso mantém-se praticamente autônoma na multiplicidade de suas manifestações, carecendo, portanto, de estabelecer corretamente sua epistemologia;

• enquanto ciência do impreciso, dá, ainda assim, importante contribuição, uma vez que emerge da noção de “lógica do provável” de H. Reinchenbach, que enfatiza o valor de verdade;


• na observação da ciência do impreciso (superstição), há sempre “perda de pregnância”, o que, na teoria da Gestalt significa perda de estabilidade e de confiabilidade nos fatores interferentes;

• ainda não predomina na ciência do impreciso (superstição) como regra o que
Einstein postulou no aforisma seguinte: “É necessário ter espírito muito forte para poder resistir à tentação das explicações supérfluas”; mesmo porque, asseverou Festinger, o estudo das maneiras pelas quais o espírito dos homens é crédulo e fácil de seduzir implica técnicas correspondentes para manipulá-lo”;

• a ciência do impreciso (superstição) demanda um custo cognitivo, ou seja, a
“organização mental dos conhecimentos para que o impreciso cientista e/ou o supersticioso chegue a preparar uma decisão sobre si mesmo em relação ao seu envolvimento com determinado fenômeno;

• a ciência do impreciso, em relação às demais ciências ditas normais, é “um fator subversivo do existente”, um fenômeno científico “de contrabando”, uma espécie de ”voyeur” do politicamente correto;

• a ciência do impreciso (superstição) sujeita-se ao empirismo estatístico e à linguagem mística, sugerindo que o cientista impreciso e/ou supersticioso seja apenas capaz de assumir uma ingenuidade.



 Segundo Moles, “não há mais nada a dizer sobre a invenção transcendental, salvo reconhecer sua existência e descobrir a posteriori seu papel e definir o que significa “ter certeza” dentro do mundo dos valores intelectuais.”
Isto porque o papel da ciência é o de transformar fragmentos do acaso em
necessidades da evidência.

As ciências do impreciso opõem-se à imagem de uma ciência triunfante, segura
de si e de sua posição dentro do pensamento humano e do progresso da sociedade.

Neste contexto, como uma ciência posta em questão, não mais como ela própria sempre o fez, em nome de seu próprio espírito, mas bem mais em função de seus sucessos, de seus resultados, das transformações trazidas por ela ao mundo social e material. E, neste sentido, a ciência do impreciso, a superstição,
seria uma intrusa dentro da consciência. Segundo Moles, o pensamento da
ciência em si tornou-se tão complexo, em oposição, por exemplo à clareza do Renascimento, que o homem comum acha-se alienado em face dele - estranho e separado. E que, premido pelo cientificismo e pela tecnologia, este “pequeno homem que se julga dentro de nossa sociedade procura suprimir o fosso que o separa da cidadela científica a que ele não tem acesso”.


Para que isto aconteça, completa Moles, um conhecimento ao alcance de todos
oferece-se a ele, chamado vulgarização científica. Ocorre, entretanto, como analisam autores idôneos que “longe de reduzir a alienação do homem com relação à ciência, a vulgarização científica contribui, pelo contrário, para aumentá-la”, dando a ele a ilusão perigosa de ter compreendido o princípio
sem captar a essência mesma da atividade da ciência contemporânea. Para Moles, quer o homem penetre ou não nos segredos do pensamento científico, vai preferir, para seu conforto intelectual, “adorar as vacas sagradas da nova religião contemporânea”, havendo muitas delas, como “uma mistura de relatividade, Einstein, Oppenheimer e o inventor do nylon, os laboratórios onde se destila a magia etc, em torno de seres, lugares e coisas incompreensíveis”.

Nesse contexto, a superstição seria um kitsch científico pelo qual o homem
contemporâneo tem um respeito impotente, porque essa adoração do conhecimento vulgarizado não significa de maneira nenhuma que se veja nele a expressão do bem, mas sim que se sinta nele - e com ele - a encarnação
do poder.

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